quinta-feira, junho 12, 2008

Mães, madrastas e o mito do amor materno

Estou lendo um livro de deixar de cabelos arrepiados qualquer mulher que se preze. Principalmente aquelas que forem mães, como eu. O livro em questão se chama We need to talk about Kevin e é um relato horripilante do que pode dar errado. Não recomendo a pessoas facilmente impressionáveis, nem muito menos aquelas mulheres que em algum momento de suas vidas questionaram o mito do amor materno.

O livro relata a estória de Kevin, que aos 13 anos de idade mata a sangue frio sete alunos e dois funcionários de sua escola, entre eles um professor. Ele cumpre sua pena em uma penitenciária juvenil, onde é visitado duas vezes por mês por sua mãe (e também narradora da estória). Kevin recebe entre outros, o apelido de Columbine Boy - referência a um dos maiores massacres em escolas americanas nos últimos anos (que rendeu inclusive o excelente Bowling for Columbine de Michael Moore). Outro filme que lida com o mesmo assunto e que também vale a pena assistir é Elephant (Gus van Sant). Certo é que massacres deste tipo já são mais realidade do que ficção nos EUA.

O livro, que ganhou o Orange Prize em 2005, é um dos relatos mais provocantes e polêmicos da última década (leia e confira você mesmo). A começar porque desde o primeiro capítulo, a mãe de Kevin assume sua parte de culpa no desenrolar do drama. Assim como também deixa bem claro que a culpa é sua, mas em partes. Porque a verdade é que quando as coisas dão errado, nossa sociedade culpa logo a criação dos pais. O que é parcialmente verdade, pois nem todos os atos podem ser explicados exclusivamente pela forma como uma pessoa foi criada. É o velho debate nature x nurture. Em bom português: a eterna questão sobre o que pesaria mais, a natureza (temperamento inato) ou a criação (comportamento aprendido) de uma pessoa. Ou ainda, se o ser humano já nasce com uma predisposição para o bem ou o mal, ou se o seu caráter é moldado com base em suas experiências e no ambiente em que cresce.

Outro tema que permeia a estória - e que ainda hoje é um dos maiores tabus da nossa sociedade - é o (velho) mito do amor materno. A mãe de Kevin logo se deu conta, quando o filho ainda estava na barriga, que não queria aquele bebê...mas era tarde demais para mudar de idéia. O nascimento do bebê, que deveria ser um momento de felicidade inigualável, foi um dos momentos mais decepcionantes de sua vida. Contrário a todas as expectativas, ela não sentiu absolutamente nada. Muito menos aquela felicidade tão comentada pelas outras mães. Só uma sensação de vazio e mais nada.

O livro é escrito na forma de cartas que a mãe de Kevin escreve ao pai do garoto. E são essas cartas que fornecem uma espécie de mapa para tentarmos entender o que aconteceu. Á medida em que avança na leitura, o leitor vai sendo confrontado com verdades que preferiria não saber (ignorance is bliss). Coisas que as pessoas preferem não falar por medo de serem consideradas monstros (como a mãe-madrasta de Kevin).

Em suma, um livro para pessoas inteligentes e questionadoras. Read at your own risk.

5 comentários:

Annix disse...

legal! mais um pra lista.

Anônimo disse...

Bem interessante, Beth.
É preciso reumanizar a figura da mãe, este ser muitas vezes obrigado à infalibilidade, ao amor incondicional, a filhos insuportáveis (eles existem), e a uma certa desistência de si mesma. Ainda me espanto quando pessoas me dizem "terem perdido" características tão humanas como o egoísmo, a dúvida, o desespero - a partir do momento que o teste dá positivo. Você chegou a ler a entrevista dos psicanlistas? Tem um trecho lá falando das madrastas.
Beijo,
Arnild

Anônimo disse...

Oi Beth,

quantos bons posts eu perdi!

Preciso voltar com calma pra ler tudo!

MUITO interessante esse livro! Eu volto pra deixar meus pitacos!

bjs

Antonio Da Vida disse...

Sinceramente eu acho que esta mãe não deveria ter tido o Kevin, deveria ter abortado e é por isso que eu sou francamente a favor do direito de aborto. Porque um filho que já nasce sem o amor materno, que todos nós sabemos que é fundamental na criação de um ser humano, é um menino que já nasce em desvantagem em relação à sociedade, e vamos deixar de lado as historinhas da Disney com final feliz... a verdade é que neste mundo cruel em que vivemos, ninguém merece já nascer em desvantagem, nem nós, nem ele. Pode me chamar de radical, mas teria sido melhor se Kevin não tivesse nascido. Melhor para ele e para nós. E concordo com "nature x nurture", mas o "nature" embora não possa ser mudado, pode ser controlado através do "nurture", e é isso que falta nestes jovens delinquentes de hoje em dia, falta "nurture". Por que ter um filho é muito fácil, difícil é criar um filho. Dá no que dá.

Cris Ambrosio disse...

Oi Beth!

Estou vasculhando aqui seus arquivos.

Faz um tempo que esse livro foi lançado e lembro não ter me interessado muito. Só que recentemente vi Elefante e depois de ficar alguns dias chocada comecei a procurar coisas a respeito dessa tendência infeliz do nosso tempo - gente improvável matando outras nas piores condições possíveis. Vou procurar esse, com certeza.

----

E não precisava explicar lá no meu blog quem você é! Eu acompanho o blog da Anna há um tempo e sempre li seus comentários. Aliás, essa não é a primeira vez que venho aqui.

E uau, tradutora? Eu estava querendo estudar Letras justamente para trabalhar com isso e quem sabe ir pra crítica literária, só que não rolou porque coincidiu com outra prova, bah.

Muito legal esse seu espaço, é um universo totalmente diferente do meu ;)

até mais!

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Mães, madrastas e o mito do amor materno

Estou lendo um livro de deixar de cabelos arrepiados qualquer mulher que se preze. Principalmente aquelas que forem mães, como eu. O livro em questão se chama We need to talk about Kevin e é um relato horripilante do que pode dar errado. Não recomendo a pessoas facilmente impressionáveis, nem muito menos aquelas mulheres que em algum momento de suas vidas questionaram o mito do amor materno.

O livro relata a estória de Kevin, que aos 13 anos de idade mata a sangue frio sete alunos e dois funcionários de sua escola, entre eles um professor. Ele cumpre sua pena em uma penitenciária juvenil, onde é visitado duas vezes por mês por sua mãe (e também narradora da estória). Kevin recebe entre outros, o apelido de Columbine Boy - referência a um dos maiores massacres em escolas americanas nos últimos anos (que rendeu inclusive o excelente Bowling for Columbine de Michael Moore). Outro filme que lida com o mesmo assunto e que também vale a pena assistir é Elephant (Gus van Sant). Certo é que massacres deste tipo já são mais realidade do que ficção nos EUA.

O livro, que ganhou o Orange Prize em 2005, é um dos relatos mais provocantes e polêmicos da última década (leia e confira você mesmo). A começar porque desde o primeiro capítulo, a mãe de Kevin assume sua parte de culpa no desenrolar do drama. Assim como também deixa bem claro que a culpa é sua, mas em partes. Porque a verdade é que quando as coisas dão errado, nossa sociedade culpa logo a criação dos pais. O que é parcialmente verdade, pois nem todos os atos podem ser explicados exclusivamente pela forma como uma pessoa foi criada. É o velho debate nature x nurture. Em bom português: a eterna questão sobre o que pesaria mais, a natureza (temperamento inato) ou a criação (comportamento aprendido) de uma pessoa. Ou ainda, se o ser humano já nasce com uma predisposição para o bem ou o mal, ou se o seu caráter é moldado com base em suas experiências e no ambiente em que cresce.

Outro tema que permeia a estória - e que ainda hoje é um dos maiores tabus da nossa sociedade - é o (velho) mito do amor materno. A mãe de Kevin logo se deu conta, quando o filho ainda estava na barriga, que não queria aquele bebê...mas era tarde demais para mudar de idéia. O nascimento do bebê, que deveria ser um momento de felicidade inigualável, foi um dos momentos mais decepcionantes de sua vida. Contrário a todas as expectativas, ela não sentiu absolutamente nada. Muito menos aquela felicidade tão comentada pelas outras mães. Só uma sensação de vazio e mais nada.

O livro é escrito na forma de cartas que a mãe de Kevin escreve ao pai do garoto. E são essas cartas que fornecem uma espécie de mapa para tentarmos entender o que aconteceu. Á medida em que avança na leitura, o leitor vai sendo confrontado com verdades que preferiria não saber (ignorance is bliss). Coisas que as pessoas preferem não falar por medo de serem consideradas monstros (como a mãe-madrasta de Kevin).

Em suma, um livro para pessoas inteligentes e questionadoras. Read at your own risk.

5 comentários:

Annix disse...

legal! mais um pra lista.

Anônimo disse...

Bem interessante, Beth.
É preciso reumanizar a figura da mãe, este ser muitas vezes obrigado à infalibilidade, ao amor incondicional, a filhos insuportáveis (eles existem), e a uma certa desistência de si mesma. Ainda me espanto quando pessoas me dizem "terem perdido" características tão humanas como o egoísmo, a dúvida, o desespero - a partir do momento que o teste dá positivo. Você chegou a ler a entrevista dos psicanlistas? Tem um trecho lá falando das madrastas.
Beijo,
Arnild

Anônimo disse...

Oi Beth,

quantos bons posts eu perdi!

Preciso voltar com calma pra ler tudo!

MUITO interessante esse livro! Eu volto pra deixar meus pitacos!

bjs

Antonio Da Vida disse...

Sinceramente eu acho que esta mãe não deveria ter tido o Kevin, deveria ter abortado e é por isso que eu sou francamente a favor do direito de aborto. Porque um filho que já nasce sem o amor materno, que todos nós sabemos que é fundamental na criação de um ser humano, é um menino que já nasce em desvantagem em relação à sociedade, e vamos deixar de lado as historinhas da Disney com final feliz... a verdade é que neste mundo cruel em que vivemos, ninguém merece já nascer em desvantagem, nem nós, nem ele. Pode me chamar de radical, mas teria sido melhor se Kevin não tivesse nascido. Melhor para ele e para nós. E concordo com "nature x nurture", mas o "nature" embora não possa ser mudado, pode ser controlado através do "nurture", e é isso que falta nestes jovens delinquentes de hoje em dia, falta "nurture". Por que ter um filho é muito fácil, difícil é criar um filho. Dá no que dá.

Cris Ambrosio disse...

Oi Beth!

Estou vasculhando aqui seus arquivos.

Faz um tempo que esse livro foi lançado e lembro não ter me interessado muito. Só que recentemente vi Elefante e depois de ficar alguns dias chocada comecei a procurar coisas a respeito dessa tendência infeliz do nosso tempo - gente improvável matando outras nas piores condições possíveis. Vou procurar esse, com certeza.

----

E não precisava explicar lá no meu blog quem você é! Eu acompanho o blog da Anna há um tempo e sempre li seus comentários. Aliás, essa não é a primeira vez que venho aqui.

E uau, tradutora? Eu estava querendo estudar Letras justamente para trabalhar com isso e quem sabe ir pra crítica literária, só que não rolou porque coincidiu com outra prova, bah.

Muito legal esse seu espaço, é um universo totalmente diferente do meu ;)

até mais!