sábado, março 31, 2012

Surtei mas já volto

Sumi quase duas semanas aqui do meu cantinho virtual mas ainda estou viva. Esta semana foi muita esquisita pra mim, muitos pensamentos e emoções a serem digeridas. Mas ando cada vez com menos vontade de me expor, ainda mais porque já me expus demais no post anterior...enfim, esta sou eu. Humana, frágil e tentando entender a vida.

A gota dágua foi F. me ligar contando de um amigo que está em crise, com tratamento psiquiátrico e o escambau. Eu fui perguntando pra averiguar a situação do cara e me dei mal. O dito cujo tem duas casas próprias em bairro bacana, um bom emprego em tempos de demissões em massa aqui na Holanda, dinheiro de sobra. Tá bom que dinheiro não è tudo nesta vida (o que eu por acaso sempre ouço de gente que tem dinheiro) mas olha, ajuda viu? Ah sim, ele também tem esposa e filho...

O que me tirou do sério é que o cara surtou, roubou umas porcarias numa loja e acabou na polícia, enfim um drama! E eu inevitavelmente surtei junto e fiquei aqui pensando com meus botões. Talvez meu maior erro seja comparar o que não devia se comparar, mas se ele que tem uma vida mais do que confortável com esposa, filho e tudo mais decide surtar da noite pro dia...o que é que eu faço, hein?!! Eu que tenho a vida toda ainda pra resolver? Sem emprego, sem dinheiro e pagando aluguel pra viver num bairro ruim, onde só vivem imigrantes. Gente que não tem mesmo outra opção? O que é que eu faço? Por onde eu começo? Eu tenho tentado ser feliz diariamente, juro que tenho tentado. Mas estórias como esta me tiram do sério. Porque eu tenho n motivos para surtar e continuo aqui na batalha diária, lutando para manter uma frágil saúde mental.

Eu não conheço nem pretendo conhecer a figura mas surtei. Quando a tempestade passar dentro desta mente inquieta, eu volto.

segunda-feira, março 19, 2012

Dos aprendizados

Nos últimos dois anos fui pra rua trabalhar e aprendi muita coisa. Não exatamente relativas ao trabalho em questão (e sim, aprendi muito).

É mais ou menos assim (senta aí que lá vem estória). Há cerca de três anos e após muita luta interna, dei o braço a torcer e fui pedir o que era meu direito: um seguro-desemprego, que aqui na Holanda você recebe quando está desempregado.  Antes disso, foi mais de ano sem dinheiro tentando pagar as contas do mês e sempre tendo de escolher se pagava esta ou aquela conta no mês x. Foi um período muito difícil e se for pensar bem, só sobrevivi graças à ajuda de F., meu namorado. Também foi ele que me fez aceitar a realidade e ir pedir a ajuda do governo holandês. Porque eu sou orgulhosa, estudei, me formei e sempre trabalhei e ganhei meu dinheiro. Só que depois do divórcio  - já se vão 6 anos e foi a decisão mais acertada da minha vida - as traduções diminuíram até praticamente desaparecerem (coisas da globalização).

Então nos últimos três anos (na verdade, dois anos e meio) estou nas mãos do governo. Pra quem não mora na Holanda, isso significa duas coisas: 1. o governo me ajuda com o seguro-desemprego (o que, em termos de Brasil, já é por si só um luxo, ainda mais considerando-se que tenho um filho pra criar). 2. eu me comprometo a buscar emprego (trabalho também serve, explico mais adiante). Só que, como a minha sorte anda meio em baixa, o período em que entrei oficialmente pro tal sistema social foi quando a economia européia começou a "degringolar". E no ano passado, degringolou de vez. Crise aguda na Grécia (que foi parar na UTI), seguidas de Espanha e Portugal...Itália entrando em uma zona perigosa e por ai vai. E tem ainda a Irlanda.

E o que isso tem a ver com a minha estória pessoal? Tem tudo a ver. Porque à medida em que a tal crise do euro se agrava (e elguns já afirmam que o pior passou mas eu pago pra ver), os índices de desemprego aumentam...Conheço vários holandeses trabalhando em funções abaixo do seu nível (o que normalmente sobra para nós, estrangeiros). Gente com diploma daqui e que mesmo assim, não tem conseguido arrumar emprego. E eu, que trabalhei mais de 15 anos da minha vida com traduções e nunca sequer pensei em procurar algum tipo de formação profissional na Holanda, obviamente me dei mal - muito mal! Já sofri muito com isso, já me senti culpada e também vítima...até o dia em que decidi aceitar a realidade: não adianta chorar o leite derramado.

Nos últimos dois anos, já participei através da prefeitura daqui de dois trajetos de inburgering, o que comecei no final de outubro é o segundo. Como eu tinha feito um estágio de nove meses numa fundação da cidade, acabei descolando este outro trabalho no mesmo setor. Um trabalho que, diga-se de passagem, eu adoro! O único problema é que é trabalho...e não emprego. E quando as pessoas aqui tem o tal seguro-desemprego, elas mais cedo ou mais tarde devem arrumar (ou tentar arrumar) emprego. Então minha gerente decidiu mês passado que eu ficarei até o final de abril onde estou e depois partiremos para outra. O que o futuro me reserva? Não tenho a menor idéia. Porque verdade seja dita, o mercado de trabalho está péssimo no momento. Já está ruim pros holandeses, quem dirá para estrangeiros como eu! Alguns podem me chamar de pessimista, eu prefiro dizer realista. Enfim.

Mas o motivo deste post era falar de aprendizados e  eu acabei contando uma longa estória (que está longe de chegar ao fim). Então vamos ao que interessa antes que eu comece a divagar novamente! O maior aprendizado que fiz nos últimos anos quando saí de casa para trabalhar - que para alguns pode parecer óbvio - é que nem tudo depende da gente e que não adianta se sentir pior ou "menor" por circunstâncias que não podemos controlar...Foi muito difícil aceitar isso. Não por eu ter necessidade de controlar tudo (eu não sou assim) mas porque tenho a tendência a ser dura demais comigo mesma. A me culpar de tudo que deu ou pode dar errado. No momento que aceitei que esta é a realidade de muita gente que tenho visto por aí (eu não estou sozinha), tirei um peso enorme dos meus ombros! Da noite pro dia, entendi que não era um problema pessoal meu - que não havia nada de errado comigo - e sim uma questão mais complexa que abrangia muito mais pessoas.

Mas o processo foi lento e por um longo período eu me culpei por tudo. Por não ter me preparado para o futuro, por não ter procurado nenhuma qualificação profissional aqui na Holanda, enfim por "não ter corrido atrás". E ler os blogs de jovens que chegaram nos últimos anos aqui cheias de garra e "fazendo e acontecendo" só me fez sentir pior (pronto, falei). Mas um dia eu parei e pensei: Peraí! Eu estou criando um filho "especial", que passou por duas escolas e um batalhão de exames até descobriram o que havia de "errado" (quem é mãe sabe como a gente sofre). Tive um casamento punk que deixou sequelas profundas, seguido de um divórcio que me colocou em péssima condição profissional e financeira (porque diminui o pique de trabalho pra poder cuidar do meu filho enquanto o pai dele foi trabalhar). Tive não uma, mas duas depressões clínicas que afastaram muitas pessoas (e eu não tenho a menor vergonha de falar sobre isso). E adivinhem? Não apenas sobrevivi como estou aqui pra contar minha estória!

Aprendi que nem tudo é o que parece (e nem tudo que brilha é ouro). E após um longo e doloroso período me achando a maior loser, revi minha estória e descobri que sou uma sobrevivente. Eu sobrevivi sozinha - fora a ajuda de um ou outro e de profissionais. Meu filho está muito bem, tenho um relacionamento há quase 5 anos que me traz (muito) mais alegrias do que tristezas e a minha situação profissional não está resolvida mas eu não estou nem aí! Porque hoje sei que não estou sozinha neste barco...Muita gente, por diversos fatores (muitos pessoais), vem passando por crises parecidas.

Moral da estória: do futuro ninguém sabe...mas o importante pra mim neste momento é ter feito as pazes comigo mesma. Ainda estou aprendendo a ser menos dura comigo (eu sou minha pior inimiga). Mas um dia eu chego lá!



PS. Post dedicado à querida Priscila, que me entende muito bem.

terça-feira, março 13, 2012

Top 5 - 52x5 Momentos pra compartilhar: SEMANA 10



Semana 10 - Minhas comidas preferidas são:


1) Cozinha japonesa, especialmente sushi
2) Cozinha indonésia
3) Cozinha mediterrânea (Portugal, Espanha)
4) Cozinha árabe (Marrocos, Tunísia etc)
5) Last but not least: Cozinha Brasileira!



Rijsttafel (buffet indonésio)

segunda-feira, março 12, 2012

How to Be An American Housewife





Esta estória de marroquinos, integração, segregação tem dia que me dá um cansaço danado! Então vamos mudar radicalmente de assunto e iremos do Marrocos (ou Holanda) diretamente para o Japão (ou EUA).

É que acabei de ler How To Be An American Housewife, que conta a estória de uma japonesa que se casa com um oficial da Marinha Americana e muda-se para os EUA no final da década de 40, depois da Segunda Guerra Mundial (e das terríveis bombas de Hiroshima e Nagazaki, que ela também registra no seu relato). Nos EUA ela tem uma filha e são elas - mãe e filha - as protagonistas desta estória. O livro é dividido em duas partes, a primeira parte é narrada pela mãe, que conta sua estória, desde o período antes de ir pros EUA. A segunda parte é narrada pela filha, que acaba visitando o Japão pela primeira vez a pedido da mãe doente e se apaixona pelo país. A viagem ao Japão e o encontro com os familiares é uma das partes mais legais do livro, eu mesma fiquei morrendo de vontade de conhecer o Japão. O mais interessante é que, como em Girl in Translation, este livro também é baseado em fatos biográficos.

Uma estória de mãe e filha, de duas culturas diferentes e da herança cultural que cada um carrega consigo. A mãe, que optou por deixar seu país para trás e começar uma nova vida nos EUA. A filha, que nasceu nos EUA, descobre o Japão de sua mãe e decide fazer o caminho contrário. E eu inevitavelmente pensei no meu filho, que conheceu o Brasil ano passado, se apaixonou e nem queria mais voltar pra Holanda!

De resto, quem visita este blog sabe que adoro ler e já deve ter percebido que tenho uma certa fascinação por estórias de imigrantes. Livros como Girl in Translation, The Namesake (que rendeu um ótimo filme) e The Immigrant (de uma das minhas escritoras indianas favoritas, Manju Kapur) e muitos outros que estão na minha lista de leitura, como The Buddha in the Attic. Deve ser o meu lado curioso que deveria ter estudado antropologia ou coisa parecida. Sem falar na explicação mais óbvia como o fato de eu também ser imigrante, né?

sábado, março 10, 2012

Criando filhos: mães holandesas x mães marroquinas

O post anterior sobre segregação na Holanda foi um grande sucesso por aqui. E como eu não somente moro há 17 anos na Holanda, como moro num bairro de imigrantes e trabalho com imigrantes, decidi continuar no mesmo tópico. Afinal, posso dizer sem falsa modéstia que entendo do assunto.

Vou contar agora o outro lado da segregação porque obviamente, toda estória tem duas versões. Sim, os holandeses segregam (e muito) e multicultural só mesmo no nome. O holandês típico adora frequentar festivais e restaurantes exóticos mas não quer vizinhos estrangeiros, não...sei por experiência própria. Quando mudei-me há 11 anos para o meu bairro, ainda haviam alguns vizinhos holandeses por aqui, eu diria que cerca de 30% dos moradores. Hoje em dia, o bairro é tipicamente de imigrantes, 90% vem da África (inclusive Marrocos). Além de muitos imigrantes do Suriname e das Antilhas Holandesas (ex-colônias, pra quem não conhece a história da Holanda). Se eu gosto de morar aqui? Claro que não! Não porque eu seja racista (não sou, senão não trabalharia com tanto prazer com imigrantes). O que eu não gosto é da formação de guetos como tem acontecido nas principais cidades européias (e como contei no post anterior).

Mas entendam bem: eu não me incomodo nem um pouco de morar em um bairro multicultural - desde que entre eles também estejam holandeses! Diga-se de passagem, eu nem gostaria de morar num bairro só de holandeses, onde a única estrangeira sou eu. Não gosto nem me sinto à vontade. E digo mais, morreria de tédio se morasse em uma dessas cidadezinhas de interior. A única cidade em morei na Holanda desde que cheguei aqui (e onde continuo morando) foi Amsterdã! O que eu queria mesmo era um bairro onde todos se misturam e convivem harmoniosamente. Infelizmente, este bairro não existe! Ou se existe, está cada vez mais difícil de encontrar.

Mas o assunto deste post é a criação de filhos...Vou tomar como exemplo as mães marroquinas porque é o exemplo mais próximo (convivo diariamente com elas). Mas claro, cada cultura tem a sua maneira de criar filhos. Mesmo entre os europeus, há diferenças. Os países do norte tendem a ser mais liberais e conversam mais com as crias (nada, ou quase nada, é tabu). Já os países do sul (a começar por Portugal e Espanha) tendem a ser mais conservadores, mas acho que isso já tem mudado na nova geração.

Pra resumir uma estória muito longa, vou tentar mostrar as diferenças básicas pra dar uma idéia de como é difícil (ou quase impossível) integrar essas duas partes.




Mães holandesas 
Costumam ter filhos mais tarde (depois de completarem estudos e começar carreira). Tem em média 1 ou 2 filhos, raramente mais do que isso. O que mais tem por aqui é filho único! Elas criam os filhos com muita liberdade (até demais em alguns aspectos). E à medida em que os filhos crescem, eles passam a tomar cada vez mais parte nas decisões da família. Ao invés de serem obrigados a isso ou aquilo, tudo é discutido de igual para igual entre o adulto e a criança.

Nas cidades (como Amsterdã, Roterdã e Haia), os pais levam as crianças ao cinema e ao teatro. Eu costumo ir na biblioteca central (a maior da cidade) e sempre me chateio quando só vejo crianças louras por lá. Por que me chateio? Oras, porque os livros são de graça pra quem quiser ler mas a maioria dos pais marroquinos ou turcos nunca vai à biblioteca (e tem em todos os bairros). Um desperdíçio, se quiserem saber o que eu penso. E pior, são justamente as crianças que precisam mais...No Museu de Ciência (NEMO), onde meu filho já foi várias vezes, também só vejo crianças louras...As outras só vão mesmo a museu se tiver excursão da escola!

Mães marroquinas
Costumam ter no mínimo 4 filhos, como manda a tradição. A maioria dos imigrantes que moram aqui tem nível de instrução baixo, sendo que o principal objetivo de suas vidas é cuidar de sua família (nada de errado nisso, certo?). Elas se contentam em passar a vida inteira dentro de casa criando filhos, cozinhando e cuidando do lar. Claro que existe uma minoria (e é minoria mesmo, pelo que andei lendo) que decide que quer algo diferente. Que decide ir pra universidade estudar antes de ter filhos...Essas rejeitam o sistema tradicional e acabam tendo menos filhos...

A maior preocupação das mães marroquinas é que as crianças estejam bem alimentadas e bem vestidas. Esporte também é importante e todos os meninos do meu bairro (TODOS) estão na escolinha de futebol, onde começam cedo. É o esporte tradicional dos meninos marroquinos...os holandeses fazem de tudo: natação, basketball ou mesmo kungfu (como o meu filho). Diga-se de passagem, aqui no meu bairro as crianças vivem na rua, é só não estar chovendo. No verão, a rua enche de neguinho jogando futebol (me sinto no Brasil, rsrsrs). Infelizmente, nunca tem um pai ou mãe pra supervisionar a bagunça...O palavreado é pobre (nem vou falar dos palavrões) e brigas ocorrem regularmente. Porque a sociedade marroquina é machista e os meninos aprendem isso desde cedo. Eles nem sequer respeitam as mães (o que já presenciei várias vezes).

Famílias marroquinas não tem grana pra levar os filhos ao cinema ou ao teatro (a mãe não trabalha e ainda por cima eles tem a casa cheia de crianças). E nem se preocupam em levar os filhos na biblioteca. Eu até conheço uma que leva...pra pegar filmes e games emprestados!

As crianças holandesas, além de serem alimentadas e vestidas (lembram dos direitos universais da criança?) recebem ainda algo que a maioria dos filhos de imigrantes - e não me refiro apenas aos marroquinos - não recebe: estímulos intelectuais. Dizendo assim alguns talvez me chamem de "esnobe". Mas é a pura verdade! E como não poderia deixar de ser, seu rendimento escolar em geral é muito superior ao dos filhos de imigrantes...que pra início de conversa, só falam árabe em casa. Não, eu não acho que os imigrantes deviam sr obrigados a falar em holandês com os filhos (não sou idiota). Mas muitos nem sequer falam a língua e moram aqui há muito mais tempo do que eu. Tenho alunas (e não apenas marroquinas mas muitas turcas) que moram há 20 anos na Holanda e mal conseguem falar uma frase em holandês! Elas usam os filhos como intérpretes em consultórios médicos e em conversas com a professora na escola. Um desastre, na minha opinião.




Moral da estória
E este é o outro lado da segregação nas escolas. Não porque os pais holandeses não queiram que suas crianças brinquem com as outras mas porque é (mais do que) sabido que escolas com muitos filhos de imigrantes (as zwarte scholen do post anterior) são escolas fracas, onde o rendimento escolar deixa muito a desejar! Então, prezando o futuro de seus filhos (o que eu entendo perfeitamente), eles acabam matriculando os filhos nas escolas brancas. Como mãe, é difícil eu culpá-los pela escolha, né?

domingo, março 04, 2012

As classes sociais na Holanda

Paisagem comum nas ruas de Amsterdã

Este é um daqueles posts que eu já escrevi mentalmente inúmeras vezes...mas sempre tive preguiça de terminar e postar. Hoje é domingo, estava lendo aqui e ali e acabei decidindo que estava na hora de "botar a boca no trombone". Post dedicado especialmente aqueles que acreditam que na Holanda todo mundo é igual e que não existem diferenças sociais. Leia e pense duas vezes.

Foi-se o tempo em que  a Holanda era um país social e liberal, que aceitava todas as culturas. Desconfio até que esta aceitação nunca foi total e sim condicional. Sempre havia um certo grau de troca ou seja, o holandês aceita uma determinada nacionalidade se isso lhe trouxer benefícios, de preferência imediatos. No momento em que o cálculo custos x benefícios vai para o negativo (como ocorre nos dias de hoje), o holandês deixa de gostar. Foi assim com os gastarbeiders, que foram convidados para trabalhar na Holanda a partir dos anos 50 e 60 e nunca mais voltaram para seus países. A primeira leva foi de espanhóis e portugueses, depois vieram os turcos e os marroquinos. E hoje já estamos na terceira geração de imigrantes vivendo na Holanda. A segunda geração já nasceu aqui. Esses "holandeses" filhos de imigrantes, com passaporte holandês e que falam a língua holandesa, nunca serão vistos como holandeses. Eles sempre serão considerados como estrangeiros. Basta ler a mídia local para você encontrar as palavras "autochtoon" e "allochtoon". Pois bem, quem nasce na Holanda de pais holandeses é "autochtoon" (leia-se os brancos). Quem nasce na Holanda de pais imigrantes (mesmo que um dos pais seja holandês) é "allochtoon" (leia-se os morenos e negros). Exceção são os outros europeus brancos, que são classificados como "buitenlanders" (estrangeiros). Então basta estudar a própria língua holandesa para entender um pouco das classes sociais. Assustador, não? Agora alguém aí se lembra quem colonizou a África do Sul, o país do Apartheid? Pois é, foram os holandeses.

À venda em vários mercados da cidade
Querem um exemplo? Eu sou brasileira então sou "allochtoon" (mesmo sendo branca). Meu ex-marido é inglês e por isso é "buitenlander" (= europeu branco) embora meu holandês seja muito melhor do que o dele (como ouvi de muitos holandeses). Quanto ao meu filho, ainda estamos decidindo o que ele é porque o menino é louro e branco como as crianças holandesas, eu perto dele sou considerada morena ,rsrsrsrs. Mas porque a mãe é "allochtoon", ele deveria ser considerado automaticamente como "allochtoon". E querem saber de uma coisa? Eu não estou nem aí, tenho mais o que fazer da minha vida. Eu sou eu e ponto final.

"Zwarte school" (escola "negra")

Brincadeiras à parte, a  segregação social é, sem dúvida, o que mais me incomoda hoje na Holanda. Os holandeses gostam de falar de boca cheia de uma "sociedade multicultural" com mais de 115 nacionalidades "convivendo" na mesma cidade (como é o caso de Amsterdã). Mas na verdade, essas culturas raramente se misturam no dia-a-dia (só mesmo nos festivais). Nas principais cidades holandesas (Amsterdã, Haia e Roterdã) já se percebe nitidamente dois mundos: o mundo dos brancos (bairros de holandeses com escolas de crianças holandesas e cafés e restaurantes frequentados por holandeses) e o mundo dos "negros", bairros de imigrantes com escolas com crianças de imigrantes. Essas são as famosas escolas "negras", como são chamadas pela mídia holandesa. Há anos existe um debate sobre escolas brancas x negras e o que fazer para evitar esta segregação que já começa nas escolas, mas até hoje nenhuma medida tomada pelo governo resolveu o problema! A segregação começa na escola primária...Como resultado, nas faculdades holandesas a maioria esmagadora dos alunos é branca: holandeses e europeus. Um ou outro indiano ou iraniano dedicado aos estudos e só.

Mais uma "zwarte" school
Muitas dessas escolas negras tem ensino abaixo da média e as crianças acabam indo para escolas fracas no ensino médio. O sistema educacional holandês é muito diferente do brasileiro. Aqui as crianças fazem com 12 anos (no grupo 8 da escola básica) uma prova chamada Cito-toets, uma espécie de vestibular que decide o tipo de escola secundária que elas irão cursar. Para simplificar, vou dizer que existem 3 opções: 1. VMBO: escolas técnicas profissionalizantes, algo como o SENAC (creio eu, corrijam-me se eu estiver errada) 2. HAVO: escolas com conteúdo mais teórico e currículo mais extenso, que dão acesso às Hoge School aqui na Holanda, que não são universidades mas "colleges" (como se chama no Brasil?) 3. VWO: escolas mais fortes, com  currículo extenso e científico e que dão acesso às universidades holandesas, "la crème de la crème". Agora acreditem: a grande maioria dos alunos de VWO são brancos. Assim como a maioria esmagadora dos alunos do VMBO são imigrantes (o que não chega a me surpreender). Não, não estou inventando estória. É a triste realidade.

Vou dar um exemplo próximo: meu filho, que vai para a escola secundária em setembro. Moramos num bairro de imigrantes, ele estuda numa escola especial (para crianças com autismo, ADHD ou com problemas de aprendizado ou comportamento). Esta escola tem muitos imigrantes e o rendimento escolar é muito baixo. Nessas escolas, o CITO-toets não é obrigatório, apenas para crianças que teriam capacidade de ir para uma escola HAVO ou VWO, porque a maioria vai automaticamente pro VMBO (nível mais baixo). Pois meu filho e um amigo dele fizeram o tal CITO (o resultado sai esta semana). E independentemente do resultado dos testes, ambos irão para o HAVO (a escola é quem decide com base no rendimento dos últimos anos, e o deles foi muito acima da média). Ou seja, meu filho vai para o HAVO e por isso vai ter de estudar do outro lado da cidade: num bairro branco de escolas brancas...porque aqui não tem nenhuma escola HAVO boa, a maioria são escolas VMBO (moro em bairro de imigrantes então tirem suas próprias conclusões). Não estou exagerando quando digo que esta mudança de ares será um choque cultural para ele. A maioria de seus amigos hoje são "allochtoon" (prefiro usar a palavra estrangeiros), um ou outro holandês.


"Witte" school (escola "branca")

Ainda no meu exemplo, tenho amigas brasileiras que moram em bairros bons (a maioria fora de Amsterdã, morar em bairro bom aqui é privilégio de poucos). Os filhos frequentam boas escolas (escolas brancas) e a maioria segue o trajeto HAVO-VWO depois da escola básica. Normal! Agora eu me pergunto como essas mesmas crianças fariam se morassem num bairro negro e estudassem numa escola fraca como o meu filho? Por essas e outras, confesso que estou duplamente orgulhosa do meu menino. Porque o que para alguns é apenas uma consequência natural, para outros é uma grande vitória em meio às adversidades!

Bem, eu poderia falar horas sobre este assunto mas vou poupá-los! Também não sou ingênua de achar que este problema é um problema exclusivamente holandês porque não é. A segregação é um problema de todos os países europeus, em maior ou menor grau. Os vizinhos França, Alemanha e Bélgica também lidam com essas questões. E cada um tenta resolver o problema da sua maneira. Complicado pra caramba!

sábado, março 03, 2012

Top 5 - 52x5 Momentos pra compartilhar: SEMANA 9


Semana 9 - Pessoas que gostaria de conhecer ou ter conhecido pessoalmente:


1) Minha avó materna
2) Clarice Lispector
3) Caio Fernando Abreu
4) Carl Jung
5) Woody Allen



quinta-feira, março 01, 2012

Brasil e Holanda: o que eu sinto falta

Lendo este post da Ana no blog Brazil com Z, me inspirei pra copiar a idéia dela. O post fala basicamente daquelas coisas que ela sente saudade do Brasil aqui na Holanda...e das coisas da Holanda que sente saudade quando está no Brasil...Porque quem pensa que vida de imigrante é mole, já vou avisando que está redondamente enganado. A gente que mora fora acaba vivendo numa espécie de "limbo": não pertencendo a nenhum lugar e pertencendo a todos. Ou seja, quando estamos na Holanda (ou outro país estrangeiro), sentimos falta do Brasil. Só que quando estamos no Brasil, inevitavelmente sentimos falta de algumas coisas que temos na Holanda.  Difícil explicar esta crise pra quem nunca caiu do Brasil, mas quem mora fora me entende. Principalmente aqueles que moram fora há mais de 10 ou 15 anos, como eu.

Mas agora chega de papo furado e vamos lá.

Coisas do Brasil que sinto falta na Holanda:
1. Dias de sol (favor não confundir com calor escaldante)
2. Montanhas...aqui na Holanda não tem, né?
3. As praias do nosso Brasil
4. A vegetação exuberante (que rendeu até um post aqui quando estive ano passado no Brasil)
5. Os deliciosos salgadinhos brasileiros
6. Os sucos de fruta feitos na hora
7. Livrarias da Travessa, especialmente a de Ipanema
8. Os botecos e restaurantes da COBAL de Botafogo




Coisas da Holanda que sinto falta no Brasil:
1. O transporte público, a começar pelos trens
2. Poder andar na rua sem paranóia de ser assaltada a qualquer momento do dia ou da noite
3. Poder andar na rua com qualquer roupa sem que as pessoas fiquem te olhando (!)
4. Poder sentar num café sozinha sem vir logo alguém perturbar (!)
5. As bibliotecas públicas, que são simplesmente maravilhosas (a minha favorita é esta aqui)
6. As livrarias barateiras, onde compro livros em inglês a bons preços (muito mais baratos do que os preços no Brasil)
7. A loja de departamentos HEMA, minha favorita
8. As flores, principalmente as famosas tulipas


Tecnologia do Blogger.

Surtei mas já volto

Sumi quase duas semanas aqui do meu cantinho virtual mas ainda estou viva. Esta semana foi muita esquisita pra mim, muitos pensamentos e emoções a serem digeridas. Mas ando cada vez com menos vontade de me expor, ainda mais porque já me expus demais no post anterior...enfim, esta sou eu. Humana, frágil e tentando entender a vida.

A gota dágua foi F. me ligar contando de um amigo que está em crise, com tratamento psiquiátrico e o escambau. Eu fui perguntando pra averiguar a situação do cara e me dei mal. O dito cujo tem duas casas próprias em bairro bacana, um bom emprego em tempos de demissões em massa aqui na Holanda, dinheiro de sobra. Tá bom que dinheiro não è tudo nesta vida (o que eu por acaso sempre ouço de gente que tem dinheiro) mas olha, ajuda viu? Ah sim, ele também tem esposa e filho...

O que me tirou do sério é que o cara surtou, roubou umas porcarias numa loja e acabou na polícia, enfim um drama! E eu inevitavelmente surtei junto e fiquei aqui pensando com meus botões. Talvez meu maior erro seja comparar o que não devia se comparar, mas se ele que tem uma vida mais do que confortável com esposa, filho e tudo mais decide surtar da noite pro dia...o que é que eu faço, hein?!! Eu que tenho a vida toda ainda pra resolver? Sem emprego, sem dinheiro e pagando aluguel pra viver num bairro ruim, onde só vivem imigrantes. Gente que não tem mesmo outra opção? O que é que eu faço? Por onde eu começo? Eu tenho tentado ser feliz diariamente, juro que tenho tentado. Mas estórias como esta me tiram do sério. Porque eu tenho n motivos para surtar e continuo aqui na batalha diária, lutando para manter uma frágil saúde mental.

Eu não conheço nem pretendo conhecer a figura mas surtei. Quando a tempestade passar dentro desta mente inquieta, eu volto.

Dos aprendizados

Nos últimos dois anos fui pra rua trabalhar e aprendi muita coisa. Não exatamente relativas ao trabalho em questão (e sim, aprendi muito).

É mais ou menos assim (senta aí que lá vem estória). Há cerca de três anos e após muita luta interna, dei o braço a torcer e fui pedir o que era meu direito: um seguro-desemprego, que aqui na Holanda você recebe quando está desempregado.  Antes disso, foi mais de ano sem dinheiro tentando pagar as contas do mês e sempre tendo de escolher se pagava esta ou aquela conta no mês x. Foi um período muito difícil e se for pensar bem, só sobrevivi graças à ajuda de F., meu namorado. Também foi ele que me fez aceitar a realidade e ir pedir a ajuda do governo holandês. Porque eu sou orgulhosa, estudei, me formei e sempre trabalhei e ganhei meu dinheiro. Só que depois do divórcio  - já se vão 6 anos e foi a decisão mais acertada da minha vida - as traduções diminuíram até praticamente desaparecerem (coisas da globalização).

Então nos últimos três anos (na verdade, dois anos e meio) estou nas mãos do governo. Pra quem não mora na Holanda, isso significa duas coisas: 1. o governo me ajuda com o seguro-desemprego (o que, em termos de Brasil, já é por si só um luxo, ainda mais considerando-se que tenho um filho pra criar). 2. eu me comprometo a buscar emprego (trabalho também serve, explico mais adiante). Só que, como a minha sorte anda meio em baixa, o período em que entrei oficialmente pro tal sistema social foi quando a economia européia começou a "degringolar". E no ano passado, degringolou de vez. Crise aguda na Grécia (que foi parar na UTI), seguidas de Espanha e Portugal...Itália entrando em uma zona perigosa e por ai vai. E tem ainda a Irlanda.

E o que isso tem a ver com a minha estória pessoal? Tem tudo a ver. Porque à medida em que a tal crise do euro se agrava (e elguns já afirmam que o pior passou mas eu pago pra ver), os índices de desemprego aumentam...Conheço vários holandeses trabalhando em funções abaixo do seu nível (o que normalmente sobra para nós, estrangeiros). Gente com diploma daqui e que mesmo assim, não tem conseguido arrumar emprego. E eu, que trabalhei mais de 15 anos da minha vida com traduções e nunca sequer pensei em procurar algum tipo de formação profissional na Holanda, obviamente me dei mal - muito mal! Já sofri muito com isso, já me senti culpada e também vítima...até o dia em que decidi aceitar a realidade: não adianta chorar o leite derramado.

Nos últimos dois anos, já participei através da prefeitura daqui de dois trajetos de inburgering, o que comecei no final de outubro é o segundo. Como eu tinha feito um estágio de nove meses numa fundação da cidade, acabei descolando este outro trabalho no mesmo setor. Um trabalho que, diga-se de passagem, eu adoro! O único problema é que é trabalho...e não emprego. E quando as pessoas aqui tem o tal seguro-desemprego, elas mais cedo ou mais tarde devem arrumar (ou tentar arrumar) emprego. Então minha gerente decidiu mês passado que eu ficarei até o final de abril onde estou e depois partiremos para outra. O que o futuro me reserva? Não tenho a menor idéia. Porque verdade seja dita, o mercado de trabalho está péssimo no momento. Já está ruim pros holandeses, quem dirá para estrangeiros como eu! Alguns podem me chamar de pessimista, eu prefiro dizer realista. Enfim.

Mas o motivo deste post era falar de aprendizados e  eu acabei contando uma longa estória (que está longe de chegar ao fim). Então vamos ao que interessa antes que eu comece a divagar novamente! O maior aprendizado que fiz nos últimos anos quando saí de casa para trabalhar - que para alguns pode parecer óbvio - é que nem tudo depende da gente e que não adianta se sentir pior ou "menor" por circunstâncias que não podemos controlar...Foi muito difícil aceitar isso. Não por eu ter necessidade de controlar tudo (eu não sou assim) mas porque tenho a tendência a ser dura demais comigo mesma. A me culpar de tudo que deu ou pode dar errado. No momento que aceitei que esta é a realidade de muita gente que tenho visto por aí (eu não estou sozinha), tirei um peso enorme dos meus ombros! Da noite pro dia, entendi que não era um problema pessoal meu - que não havia nada de errado comigo - e sim uma questão mais complexa que abrangia muito mais pessoas.

Mas o processo foi lento e por um longo período eu me culpei por tudo. Por não ter me preparado para o futuro, por não ter procurado nenhuma qualificação profissional aqui na Holanda, enfim por "não ter corrido atrás". E ler os blogs de jovens que chegaram nos últimos anos aqui cheias de garra e "fazendo e acontecendo" só me fez sentir pior (pronto, falei). Mas um dia eu parei e pensei: Peraí! Eu estou criando um filho "especial", que passou por duas escolas e um batalhão de exames até descobriram o que havia de "errado" (quem é mãe sabe como a gente sofre). Tive um casamento punk que deixou sequelas profundas, seguido de um divórcio que me colocou em péssima condição profissional e financeira (porque diminui o pique de trabalho pra poder cuidar do meu filho enquanto o pai dele foi trabalhar). Tive não uma, mas duas depressões clínicas que afastaram muitas pessoas (e eu não tenho a menor vergonha de falar sobre isso). E adivinhem? Não apenas sobrevivi como estou aqui pra contar minha estória!

Aprendi que nem tudo é o que parece (e nem tudo que brilha é ouro). E após um longo e doloroso período me achando a maior loser, revi minha estória e descobri que sou uma sobrevivente. Eu sobrevivi sozinha - fora a ajuda de um ou outro e de profissionais. Meu filho está muito bem, tenho um relacionamento há quase 5 anos que me traz (muito) mais alegrias do que tristezas e a minha situação profissional não está resolvida mas eu não estou nem aí! Porque hoje sei que não estou sozinha neste barco...Muita gente, por diversos fatores (muitos pessoais), vem passando por crises parecidas.

Moral da estória: do futuro ninguém sabe...mas o importante pra mim neste momento é ter feito as pazes comigo mesma. Ainda estou aprendendo a ser menos dura comigo (eu sou minha pior inimiga). Mas um dia eu chego lá!



PS. Post dedicado à querida Priscila, que me entende muito bem.

Top 5 - 52x5 Momentos pra compartilhar: SEMANA 10



Semana 10 - Minhas comidas preferidas são:


1) Cozinha japonesa, especialmente sushi
2) Cozinha indonésia
3) Cozinha mediterrânea (Portugal, Espanha)
4) Cozinha árabe (Marrocos, Tunísia etc)
5) Last but not least: Cozinha Brasileira!



Rijsttafel (buffet indonésio)

How to Be An American Housewife





Esta estória de marroquinos, integração, segregação tem dia que me dá um cansaço danado! Então vamos mudar radicalmente de assunto e iremos do Marrocos (ou Holanda) diretamente para o Japão (ou EUA).

É que acabei de ler How To Be An American Housewife, que conta a estória de uma japonesa que se casa com um oficial da Marinha Americana e muda-se para os EUA no final da década de 40, depois da Segunda Guerra Mundial (e das terríveis bombas de Hiroshima e Nagazaki, que ela também registra no seu relato). Nos EUA ela tem uma filha e são elas - mãe e filha - as protagonistas desta estória. O livro é dividido em duas partes, a primeira parte é narrada pela mãe, que conta sua estória, desde o período antes de ir pros EUA. A segunda parte é narrada pela filha, que acaba visitando o Japão pela primeira vez a pedido da mãe doente e se apaixona pelo país. A viagem ao Japão e o encontro com os familiares é uma das partes mais legais do livro, eu mesma fiquei morrendo de vontade de conhecer o Japão. O mais interessante é que, como em Girl in Translation, este livro também é baseado em fatos biográficos.

Uma estória de mãe e filha, de duas culturas diferentes e da herança cultural que cada um carrega consigo. A mãe, que optou por deixar seu país para trás e começar uma nova vida nos EUA. A filha, que nasceu nos EUA, descobre o Japão de sua mãe e decide fazer o caminho contrário. E eu inevitavelmente pensei no meu filho, que conheceu o Brasil ano passado, se apaixonou e nem queria mais voltar pra Holanda!

De resto, quem visita este blog sabe que adoro ler e já deve ter percebido que tenho uma certa fascinação por estórias de imigrantes. Livros como Girl in Translation, The Namesake (que rendeu um ótimo filme) e The Immigrant (de uma das minhas escritoras indianas favoritas, Manju Kapur) e muitos outros que estão na minha lista de leitura, como The Buddha in the Attic. Deve ser o meu lado curioso que deveria ter estudado antropologia ou coisa parecida. Sem falar na explicação mais óbvia como o fato de eu também ser imigrante, né?

Criando filhos: mães holandesas x mães marroquinas

O post anterior sobre segregação na Holanda foi um grande sucesso por aqui. E como eu não somente moro há 17 anos na Holanda, como moro num bairro de imigrantes e trabalho com imigrantes, decidi continuar no mesmo tópico. Afinal, posso dizer sem falsa modéstia que entendo do assunto.

Vou contar agora o outro lado da segregação porque obviamente, toda estória tem duas versões. Sim, os holandeses segregam (e muito) e multicultural só mesmo no nome. O holandês típico adora frequentar festivais e restaurantes exóticos mas não quer vizinhos estrangeiros, não...sei por experiência própria. Quando mudei-me há 11 anos para o meu bairro, ainda haviam alguns vizinhos holandeses por aqui, eu diria que cerca de 30% dos moradores. Hoje em dia, o bairro é tipicamente de imigrantes, 90% vem da África (inclusive Marrocos). Além de muitos imigrantes do Suriname e das Antilhas Holandesas (ex-colônias, pra quem não conhece a história da Holanda). Se eu gosto de morar aqui? Claro que não! Não porque eu seja racista (não sou, senão não trabalharia com tanto prazer com imigrantes). O que eu não gosto é da formação de guetos como tem acontecido nas principais cidades européias (e como contei no post anterior).

Mas entendam bem: eu não me incomodo nem um pouco de morar em um bairro multicultural - desde que entre eles também estejam holandeses! Diga-se de passagem, eu nem gostaria de morar num bairro só de holandeses, onde a única estrangeira sou eu. Não gosto nem me sinto à vontade. E digo mais, morreria de tédio se morasse em uma dessas cidadezinhas de interior. A única cidade em morei na Holanda desde que cheguei aqui (e onde continuo morando) foi Amsterdã! O que eu queria mesmo era um bairro onde todos se misturam e convivem harmoniosamente. Infelizmente, este bairro não existe! Ou se existe, está cada vez mais difícil de encontrar.

Mas o assunto deste post é a criação de filhos...Vou tomar como exemplo as mães marroquinas porque é o exemplo mais próximo (convivo diariamente com elas). Mas claro, cada cultura tem a sua maneira de criar filhos. Mesmo entre os europeus, há diferenças. Os países do norte tendem a ser mais liberais e conversam mais com as crias (nada, ou quase nada, é tabu). Já os países do sul (a começar por Portugal e Espanha) tendem a ser mais conservadores, mas acho que isso já tem mudado na nova geração.

Pra resumir uma estória muito longa, vou tentar mostrar as diferenças básicas pra dar uma idéia de como é difícil (ou quase impossível) integrar essas duas partes.




Mães holandesas 
Costumam ter filhos mais tarde (depois de completarem estudos e começar carreira). Tem em média 1 ou 2 filhos, raramente mais do que isso. O que mais tem por aqui é filho único! Elas criam os filhos com muita liberdade (até demais em alguns aspectos). E à medida em que os filhos crescem, eles passam a tomar cada vez mais parte nas decisões da família. Ao invés de serem obrigados a isso ou aquilo, tudo é discutido de igual para igual entre o adulto e a criança.

Nas cidades (como Amsterdã, Roterdã e Haia), os pais levam as crianças ao cinema e ao teatro. Eu costumo ir na biblioteca central (a maior da cidade) e sempre me chateio quando só vejo crianças louras por lá. Por que me chateio? Oras, porque os livros são de graça pra quem quiser ler mas a maioria dos pais marroquinos ou turcos nunca vai à biblioteca (e tem em todos os bairros). Um desperdíçio, se quiserem saber o que eu penso. E pior, são justamente as crianças que precisam mais...No Museu de Ciência (NEMO), onde meu filho já foi várias vezes, também só vejo crianças louras...As outras só vão mesmo a museu se tiver excursão da escola!

Mães marroquinas
Costumam ter no mínimo 4 filhos, como manda a tradição. A maioria dos imigrantes que moram aqui tem nível de instrução baixo, sendo que o principal objetivo de suas vidas é cuidar de sua família (nada de errado nisso, certo?). Elas se contentam em passar a vida inteira dentro de casa criando filhos, cozinhando e cuidando do lar. Claro que existe uma minoria (e é minoria mesmo, pelo que andei lendo) que decide que quer algo diferente. Que decide ir pra universidade estudar antes de ter filhos...Essas rejeitam o sistema tradicional e acabam tendo menos filhos...

A maior preocupação das mães marroquinas é que as crianças estejam bem alimentadas e bem vestidas. Esporte também é importante e todos os meninos do meu bairro (TODOS) estão na escolinha de futebol, onde começam cedo. É o esporte tradicional dos meninos marroquinos...os holandeses fazem de tudo: natação, basketball ou mesmo kungfu (como o meu filho). Diga-se de passagem, aqui no meu bairro as crianças vivem na rua, é só não estar chovendo. No verão, a rua enche de neguinho jogando futebol (me sinto no Brasil, rsrsrs). Infelizmente, nunca tem um pai ou mãe pra supervisionar a bagunça...O palavreado é pobre (nem vou falar dos palavrões) e brigas ocorrem regularmente. Porque a sociedade marroquina é machista e os meninos aprendem isso desde cedo. Eles nem sequer respeitam as mães (o que já presenciei várias vezes).

Famílias marroquinas não tem grana pra levar os filhos ao cinema ou ao teatro (a mãe não trabalha e ainda por cima eles tem a casa cheia de crianças). E nem se preocupam em levar os filhos na biblioteca. Eu até conheço uma que leva...pra pegar filmes e games emprestados!

As crianças holandesas, além de serem alimentadas e vestidas (lembram dos direitos universais da criança?) recebem ainda algo que a maioria dos filhos de imigrantes - e não me refiro apenas aos marroquinos - não recebe: estímulos intelectuais. Dizendo assim alguns talvez me chamem de "esnobe". Mas é a pura verdade! E como não poderia deixar de ser, seu rendimento escolar em geral é muito superior ao dos filhos de imigrantes...que pra início de conversa, só falam árabe em casa. Não, eu não acho que os imigrantes deviam sr obrigados a falar em holandês com os filhos (não sou idiota). Mas muitos nem sequer falam a língua e moram aqui há muito mais tempo do que eu. Tenho alunas (e não apenas marroquinas mas muitas turcas) que moram há 20 anos na Holanda e mal conseguem falar uma frase em holandês! Elas usam os filhos como intérpretes em consultórios médicos e em conversas com a professora na escola. Um desastre, na minha opinião.




Moral da estória
E este é o outro lado da segregação nas escolas. Não porque os pais holandeses não queiram que suas crianças brinquem com as outras mas porque é (mais do que) sabido que escolas com muitos filhos de imigrantes (as zwarte scholen do post anterior) são escolas fracas, onde o rendimento escolar deixa muito a desejar! Então, prezando o futuro de seus filhos (o que eu entendo perfeitamente), eles acabam matriculando os filhos nas escolas brancas. Como mãe, é difícil eu culpá-los pela escolha, né?

As classes sociais na Holanda

Paisagem comum nas ruas de Amsterdã

Este é um daqueles posts que eu já escrevi mentalmente inúmeras vezes...mas sempre tive preguiça de terminar e postar. Hoje é domingo, estava lendo aqui e ali e acabei decidindo que estava na hora de "botar a boca no trombone". Post dedicado especialmente aqueles que acreditam que na Holanda todo mundo é igual e que não existem diferenças sociais. Leia e pense duas vezes.

Foi-se o tempo em que  a Holanda era um país social e liberal, que aceitava todas as culturas. Desconfio até que esta aceitação nunca foi total e sim condicional. Sempre havia um certo grau de troca ou seja, o holandês aceita uma determinada nacionalidade se isso lhe trouxer benefícios, de preferência imediatos. No momento em que o cálculo custos x benefícios vai para o negativo (como ocorre nos dias de hoje), o holandês deixa de gostar. Foi assim com os gastarbeiders, que foram convidados para trabalhar na Holanda a partir dos anos 50 e 60 e nunca mais voltaram para seus países. A primeira leva foi de espanhóis e portugueses, depois vieram os turcos e os marroquinos. E hoje já estamos na terceira geração de imigrantes vivendo na Holanda. A segunda geração já nasceu aqui. Esses "holandeses" filhos de imigrantes, com passaporte holandês e que falam a língua holandesa, nunca serão vistos como holandeses. Eles sempre serão considerados como estrangeiros. Basta ler a mídia local para você encontrar as palavras "autochtoon" e "allochtoon". Pois bem, quem nasce na Holanda de pais holandeses é "autochtoon" (leia-se os brancos). Quem nasce na Holanda de pais imigrantes (mesmo que um dos pais seja holandês) é "allochtoon" (leia-se os morenos e negros). Exceção são os outros europeus brancos, que são classificados como "buitenlanders" (estrangeiros). Então basta estudar a própria língua holandesa para entender um pouco das classes sociais. Assustador, não? Agora alguém aí se lembra quem colonizou a África do Sul, o país do Apartheid? Pois é, foram os holandeses.

À venda em vários mercados da cidade
Querem um exemplo? Eu sou brasileira então sou "allochtoon" (mesmo sendo branca). Meu ex-marido é inglês e por isso é "buitenlander" (= europeu branco) embora meu holandês seja muito melhor do que o dele (como ouvi de muitos holandeses). Quanto ao meu filho, ainda estamos decidindo o que ele é porque o menino é louro e branco como as crianças holandesas, eu perto dele sou considerada morena ,rsrsrsrs. Mas porque a mãe é "allochtoon", ele deveria ser considerado automaticamente como "allochtoon". E querem saber de uma coisa? Eu não estou nem aí, tenho mais o que fazer da minha vida. Eu sou eu e ponto final.

"Zwarte school" (escola "negra")

Brincadeiras à parte, a  segregação social é, sem dúvida, o que mais me incomoda hoje na Holanda. Os holandeses gostam de falar de boca cheia de uma "sociedade multicultural" com mais de 115 nacionalidades "convivendo" na mesma cidade (como é o caso de Amsterdã). Mas na verdade, essas culturas raramente se misturam no dia-a-dia (só mesmo nos festivais). Nas principais cidades holandesas (Amsterdã, Haia e Roterdã) já se percebe nitidamente dois mundos: o mundo dos brancos (bairros de holandeses com escolas de crianças holandesas e cafés e restaurantes frequentados por holandeses) e o mundo dos "negros", bairros de imigrantes com escolas com crianças de imigrantes. Essas são as famosas escolas "negras", como são chamadas pela mídia holandesa. Há anos existe um debate sobre escolas brancas x negras e o que fazer para evitar esta segregação que já começa nas escolas, mas até hoje nenhuma medida tomada pelo governo resolveu o problema! A segregação começa na escola primária...Como resultado, nas faculdades holandesas a maioria esmagadora dos alunos é branca: holandeses e europeus. Um ou outro indiano ou iraniano dedicado aos estudos e só.

Mais uma "zwarte" school
Muitas dessas escolas negras tem ensino abaixo da média e as crianças acabam indo para escolas fracas no ensino médio. O sistema educacional holandês é muito diferente do brasileiro. Aqui as crianças fazem com 12 anos (no grupo 8 da escola básica) uma prova chamada Cito-toets, uma espécie de vestibular que decide o tipo de escola secundária que elas irão cursar. Para simplificar, vou dizer que existem 3 opções: 1. VMBO: escolas técnicas profissionalizantes, algo como o SENAC (creio eu, corrijam-me se eu estiver errada) 2. HAVO: escolas com conteúdo mais teórico e currículo mais extenso, que dão acesso às Hoge School aqui na Holanda, que não são universidades mas "colleges" (como se chama no Brasil?) 3. VWO: escolas mais fortes, com  currículo extenso e científico e que dão acesso às universidades holandesas, "la crème de la crème". Agora acreditem: a grande maioria dos alunos de VWO são brancos. Assim como a maioria esmagadora dos alunos do VMBO são imigrantes (o que não chega a me surpreender). Não, não estou inventando estória. É a triste realidade.

Vou dar um exemplo próximo: meu filho, que vai para a escola secundária em setembro. Moramos num bairro de imigrantes, ele estuda numa escola especial (para crianças com autismo, ADHD ou com problemas de aprendizado ou comportamento). Esta escola tem muitos imigrantes e o rendimento escolar é muito baixo. Nessas escolas, o CITO-toets não é obrigatório, apenas para crianças que teriam capacidade de ir para uma escola HAVO ou VWO, porque a maioria vai automaticamente pro VMBO (nível mais baixo). Pois meu filho e um amigo dele fizeram o tal CITO (o resultado sai esta semana). E independentemente do resultado dos testes, ambos irão para o HAVO (a escola é quem decide com base no rendimento dos últimos anos, e o deles foi muito acima da média). Ou seja, meu filho vai para o HAVO e por isso vai ter de estudar do outro lado da cidade: num bairro branco de escolas brancas...porque aqui não tem nenhuma escola HAVO boa, a maioria são escolas VMBO (moro em bairro de imigrantes então tirem suas próprias conclusões). Não estou exagerando quando digo que esta mudança de ares será um choque cultural para ele. A maioria de seus amigos hoje são "allochtoon" (prefiro usar a palavra estrangeiros), um ou outro holandês.


"Witte" school (escola "branca")

Ainda no meu exemplo, tenho amigas brasileiras que moram em bairros bons (a maioria fora de Amsterdã, morar em bairro bom aqui é privilégio de poucos). Os filhos frequentam boas escolas (escolas brancas) e a maioria segue o trajeto HAVO-VWO depois da escola básica. Normal! Agora eu me pergunto como essas mesmas crianças fariam se morassem num bairro negro e estudassem numa escola fraca como o meu filho? Por essas e outras, confesso que estou duplamente orgulhosa do meu menino. Porque o que para alguns é apenas uma consequência natural, para outros é uma grande vitória em meio às adversidades!

Bem, eu poderia falar horas sobre este assunto mas vou poupá-los! Também não sou ingênua de achar que este problema é um problema exclusivamente holandês porque não é. A segregação é um problema de todos os países europeus, em maior ou menor grau. Os vizinhos França, Alemanha e Bélgica também lidam com essas questões. E cada um tenta resolver o problema da sua maneira. Complicado pra caramba!

Top 5 - 52x5 Momentos pra compartilhar: SEMANA 9


Semana 9 - Pessoas que gostaria de conhecer ou ter conhecido pessoalmente:


1) Minha avó materna
2) Clarice Lispector
3) Caio Fernando Abreu
4) Carl Jung
5) Woody Allen



Brasil e Holanda: o que eu sinto falta

Lendo este post da Ana no blog Brazil com Z, me inspirei pra copiar a idéia dela. O post fala basicamente daquelas coisas que ela sente saudade do Brasil aqui na Holanda...e das coisas da Holanda que sente saudade quando está no Brasil...Porque quem pensa que vida de imigrante é mole, já vou avisando que está redondamente enganado. A gente que mora fora acaba vivendo numa espécie de "limbo": não pertencendo a nenhum lugar e pertencendo a todos. Ou seja, quando estamos na Holanda (ou outro país estrangeiro), sentimos falta do Brasil. Só que quando estamos no Brasil, inevitavelmente sentimos falta de algumas coisas que temos na Holanda.  Difícil explicar esta crise pra quem nunca caiu do Brasil, mas quem mora fora me entende. Principalmente aqueles que moram fora há mais de 10 ou 15 anos, como eu.

Mas agora chega de papo furado e vamos lá.

Coisas do Brasil que sinto falta na Holanda:
1. Dias de sol (favor não confundir com calor escaldante)
2. Montanhas...aqui na Holanda não tem, né?
3. As praias do nosso Brasil
4. A vegetação exuberante (que rendeu até um post aqui quando estive ano passado no Brasil)
5. Os deliciosos salgadinhos brasileiros
6. Os sucos de fruta feitos na hora
7. Livrarias da Travessa, especialmente a de Ipanema
8. Os botecos e restaurantes da COBAL de Botafogo




Coisas da Holanda que sinto falta no Brasil:
1. O transporte público, a começar pelos trens
2. Poder andar na rua sem paranóia de ser assaltada a qualquer momento do dia ou da noite
3. Poder andar na rua com qualquer roupa sem que as pessoas fiquem te olhando (!)
4. Poder sentar num café sozinha sem vir logo alguém perturbar (!)
5. As bibliotecas públicas, que são simplesmente maravilhosas (a minha favorita é esta aqui)
6. As livrarias barateiras, onde compro livros em inglês a bons preços (muito mais baratos do que os preços no Brasil)
7. A loja de departamentos HEMA, minha favorita
8. As flores, principalmente as famosas tulipas